A Última Hora
No meu caixão, não cabem as minhas dores, a minha raiva, o meu rancor. Não cabem minhas saudades, minha inveja, meu medo... Não cabem minhas paixões, meus amores, meu amor.
Não cabem minhas manhãs, minhas noites, madrugadas - nunca existiram tardes para mim. Não cabem meu relógio de bolso, as horas, o tempo. Não cabe a eternidade, não cabe a hora última, nem o minuto final.
Não cabe minha respiração, não cabe meu oxigênio, meu gás carbônico, meu sufoco no peito. Não cabe a minha – vã – boa saúde, não cabe o meu sangue sem colesterol, não cabe o pulsar do meu coração, minha digestão.
Tampouco cabem minhas cefaléias, gastrites, artroses, neuroses, Arteriosclerose, esclerose... Não cabe minha miopia, meu astigmatismo, minha catarata... Minha cegueira. Não cabe minha hipocondria, meu fim por antecipação.
Nem meu nome cabe no meu caixão. Não cabe a minha genealogia, Minha família, meu lar, não cabem meus filhos, netos, bisnetos... Não cabe meu mapa genético, não cabem os aminoácidos do pecado original.
Não cabe minha cidade natal, meu choro inicial, a primeira queda. Não cabe no meu caixão, o primeiro poema, não cabe este poema, não cabe nenhum poema. Não cabem, num segundo, vinte e quatro fotos, não cabe uma foto, não cabe um segundo. Não cabe uma sala escura, no escuro do meu caixão. Não cabe o acender das luzes no final, o arriar dos panos.
A foice não cabe, a morte não cabe, a mortalha não cabe, no meu caixão. Não cabe a nudez, não cabe a defesa, não cabe a acusação. Nem a pureza cabe neste caixão.
Meu caixão mal comporta o meu corpo descomportado, mal comportado, corpo-não-eu... Meu caixão leva de mim aquilo que eu menos sou, mas que me trouxe até o caixão.
Não comporta minha sombra o meu caixão. Não comporta minha silhueta... Não comporta nem a mim. Meu caixão mal comporta o meu corpo descomportado, mal comportado, corpo-não-eu... Meu caixão leva de mim aquilo que eu menos sou, mas que me trouxe até o caixão.
Reinofy Duarte
3 comentários:
esqueci de dizer o quanto esse texto era lindo...
(:
Segura que o negoço tem B de bom e já faz cara de clássico. Uh. Sempre fui louco para presenciar o surgimento de um.
fantástico.
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